não há lugar como a nossa casa


 Os Invasores de Corpos (1993)

1.

Alguns pais parecem tão jovens quanto seus filhos. É parte de um estranhamento cotidiano, que estreita as barreiras físicas de um domicílio familiar, reflete em hereditariedade a semelhança objetiva entre indivíduos que convivem em estado de desconfiança. Não há como sobreviver, em escala individual, se reconhecendo como parte de um coletivo que deseja que suas formas semelhantes se integrem em um mesmo organismo conjuntivo, habitando um tecido de existência favorecedor de um pequeno império de domínio biológico.

Não é possível perceber a formação de uma família como algo além de um desejo de disseminação genética que aguarda as mais tenebrosas ampliações de poder. A vontade de tornar-se pai existe como vontade de tornar-se autoridade, e a imposição de seus genes aos filhos existe como violação de uma privacidade biológica que perturba até as menores formas de vida.

2.

Essa hereditariedade confusa, semelhança mórbida, também integra refilmagens sazonais de um mesmo material por parte de grandes empresas fílmicas. A primeira incursão de Ferrara pela ficção científica (e, não por acaso, também sua primeira e única produção de grande estúdio) parte do clássico conto dos Invasores de Corpos, já mais do que enraizado em um imaginário popular médio, para amplificar a impossibilidade de convivência com formas de vida geneticamente devoradoras. Ferrara dirige Invasores de Corpos como um diretor europeu fazendo filme na América dos anos 40, onde todas as formas de estúdio lhe surgem como possibilidades de confusão estética e quebra de fórmulas visuais narrativas. Sem dúvidas, trata-se do último expressionista importado para os EUA.

O resultado acaba por se tornar uma ode ao descompasso. É um caso gratificante e raro, onde um filme que, em tese, não precisa existir, não faz a mínima questão de se justificar. Seja no nível de continuidade aos filmes anteriores ou ao material original, seja na própria forma como se apresenta e como existe, Invasores de Corpos é um projeto de diretores de filme B, com razoável investimento dos irmãos Warner, que não sente qualquer responsabilidade em relação ao espaço que ocupa enquanto retomada de um título popular. Numa equipe de roteiristas que inclui Stuart Gordon e Larry Cohen (penso que ambos poderiam dirigir o filme, com resultados distantes, mas igualmente interessantes), encabeçada pela direção do Ferrara, o maior esforço do filme parece ser sua maravilhosa natureza ambígua e seu apreço pela destruição em pequena escala.

A ambiguidade surge de como a hiperestilização do Ferrara desconversa interações, quebra eixos, torna o filme um registro distanciado e esquisito de um núcleo de convivências prestes a explodir. Especialmente com as transições espaciais da Gabrielle Anwar pelo subúrbio projetado dentro de uma base militar - uma tentativa constante de esquivar sua ocupação corpórea das imposições brutais dos agentes militares dentro de uma comunidade inevitavelmente instável, sem qualquer tipo de sentimento domiciliar com as habitações que coexistem com a presença do parasita interplanetário. O que existia como subtexto mais do que literal, nas outras versões de Invasores de Corpos, para uma crise individualista ameaçada pelo coletivismo estrangeiro, aqui funciona como pretexto para uma violenta exploração de figuras que se aproximam para dominar por completo a existência de outras. Interessa o domínio do horror, seu estado de experiência subjetiva, de impossibilidade de saída, e não suas implicações mais totalizantes.

Quando se instaura de vez o horror biológico extraterrestre, que abandona a natureza vegetal dos organismos presentes nos filmes anteriores para abraçar uma estética de carcaça de carne embrionária repugnante, o reduzido núcleo central converge suas tremulações em um mesmo cenário de histeria coletiva. Acaba muito mais próximo de algo como O Exército do Extermínio, do Romero, reformulado em um escopo de desconstrução de uma escala visual, onde tudo caminha para formulações de planos reduzidos que testam os limites de seu extracampo (como na sequência das bombas, filmada em closes, ou os interiores das cápsulas gestantes de clones, de uma natureza alienígena apenas vislumbrada pelas beiradas).

A pulsão final dessas convulsões, entre um pequeno número de membros em um espaço cercado, é a demolição do ambiente que ocupa as réplicas deformes de seus conhecidos. A adolescente que despeja bombas em seu bairro, sem saber se aquilo irá conter o domínio alienígena, não hesita em destruir um espaço que nunca lhe pertenceu (da mesma forma que não hesitou em atirar em seu pai). As casas explodem e o dia parece salvo, no simples gesto de enviar mísseis às pequenas construções. 

O último plano: um soldado recebe os jovens sobreviventes, na espera por um final que assuma seu fatalismo e apresente o soldado como outro alienígena, mas recusa oferecer as repostas mais diretas de seu universo. Resta a ambiguidade da sobrevivência, e a certeza de que não há lugar para voltar.

3.








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