um curta de isolamento




 1.

As ruínas estão presentes na clausura. Elas são nosso abrigo constante, que desfaz o limite entre o exterior e o interior, proporcionando um ambiente de destruições planificadas. São o ponto de partida para percebermos o tempo que habitamos a partir do que já foi deixado para trás. Portanto, são escritos visuais de absoluto interesse.

E o que há de buscar escrito nas paredes que denunciam o tempo? Adentremos suas profundezas, suas cavernas e criptas, para descobrir o que há para ver e ouvir nas runas geológicas, na erosão do espaço primitivo que afirma nossa estadia no presente.


2.


O conceito "filmes da pandemia", em geral, parece uma ideia meio redundante. Em um momento de grande exarcebação das temáticas inerentes ao estado das coisas, é costumaz que obras que se proponham a ingressar na via do momento acabem por sofrer de reiterações da realidade, sem qualquer tentativa de busca pela especificidade, pela capacidade de criar com o que está mais próximo de seu local de isolamento. Ainda mais num caso como o de 2020, onde todos os temas de seu conflito já estão muito claros, muito concretizados. É preciso partir para a exploração.


O que resulta dos 5 minutos de October Rumbles, o "filme da pandemia" do Apichatpong, é justamente essa tentativa de exploração. O procedimento é a extração dos intrumentos redutíveis: sobrepõe-se um pano preto, uma "tela", à uma paisagem verde. Depois, sobrepõe-se ao preto imagens de uma caverna, um críptico ambiente construído pela destruição. Nesse momento, a textura marcada pela pixelagem da câmera digital encontra a textura das paredes cavernosas, criando uma leitura conjunta das capacidades de relevo de ambos os registros. 


Essa dupla sobreposição, da imagem sobre a tela sobre outra imagem, que nada mais é do que uma versão complexificada (e virtual) do processo de projeção no ecrã, logo depois dá espaço ao verde completo. No meio do verde vai surgindo o explorador, figura presente em entidade, que caminha com seu lampião, caverna adentro. A luz ilumina o escuro, que se apresenta exposto em cima de uma imagem absolutamente luminosa da mata, formulando a imagem do sujeito que caminha atrás dos escritos inscritos nas pedras. Cai a chuva, que molha o verde e reluz as composições. Algo está sendo encontrado. Como Bressane em Beduíno, que arrasta o microfone pelas fecundidades de uma rocha, Apichatpong diz: que se procure outras formas de conhecer as ruínas. Outras formas de descobrimento. Se não partirmos daí, não vamos encontrar muita coisa no contato do registro com os entornos.



3.







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