CINEMA DE REFLUXO #1: mate a babá, salve as crianças





Terror Sem Limites (AKA Rosso Sangue, AKA Horrible, AKA Absurd), 1981 

1.

CINEMA DE REFLUXO

Refere-se ao tal 'cinema de fluxo' para relacionar uma suposta e vaga tendência do cinema por planos que deixam sua duração “escorrer”, que dilatam o tempo de cena a fim de uma experiência visual acumulativa. 

Porém, há uma outra forma de pensar um possível cinema de fluxo que, pelo menos pra mim, é bem mais interessante: a do horror barato, que ocupa uma generosa fatia de sua duração com quase nada ocorrendo em tela, no aguardo pelos momentos primorosos de monstruosidade. Regidos por uma duração quase obrigatória de 90 minutos, esses filmes não se importam em passar seu tempo com cenas banais e desinteressantes, desde que o espectador seja devidamente recompensado por sequências de violência explícita e grotesca. Estaria aí, então, toda uma filmografia do cinema de refluxo.

2.

Joe D´Amato dirige, em 81, um dos mais curiosos bootlegs de Halloween já feitos. Rosso Sangue, estrelado e escrito pelo brutamontes George Eastman, foi filmado na Itália com ambições mercadológicas no crescente mercado de VHS estrangeiro. A trama acompanha algumas horas na agitada vida de um mutante grego assassino (Eastman) que aterroriza um grupo de crianças e sua babá numa noite de matança, enquanto um padre tenta capturá-lo.

Depois de uma abertura que coloca as tripas pra fora, o filme descansa em um bocado de tempo morto (no caso, sem nenhuma morte). O filme até se aproxima de uma sequência bem incrível quando Eastman entra num açougue para fatiar um careca ao meio, mas o brilhantismo do momento é esmagado pela rotina noturna de uma família de classe alta e seus afazeres sociais. Os pais saem de casa enquanto assistem uma longa partida de futebol americano (longa mesmo). A polícia, que também é visitada pela câmera, não faz absolutamente nada. O tempo escorre. Enquanto assistimos a essas tediosas idas e vindas da meia-idade em movimento, um mutante de 2 metros se aproxima da casa onde estão as crianças.

A estrutura é realmente igual a de Halloween, com o padre entrando no lugar do psicólogo, mas as diferenças visuais são a real inspiração aqui. O fator mais óbvio é a falta da máscara nesse slasher, que já aponta muito pros sentidos de depravação que Damato busca. Eastman não tem uma linha de diálogo, assim como Michael Mayers, porém, diferente de seu covarde parente americano, não deixa de mostrar seu rosto em nenhum dos momentos em que comete atrocidades imperdoáveis. Vemos Eastman furando a cabeça de uma enfermeira com uma furadeira e, mais tarde, enfiando a cabeça de uma babá num fogão até que ela torre por inteira. E temos a graça de poder ver sua expressão bestial durante todo o processo. Além disso, o scope carpenteriano expansivo é substituído por um enquadramento absolutamente reduzido, que dá mais atenção à composições centrais de imagens aproximadas e agonizantes ao invés de extensas imagens com elementos distribuídos por todo o seu perímetro. O resultado dá os ares do baixo orçamento e intensifica o gore braçal.

É preciso, também, notar o papel da casa no processo. Com um pé direito alto, paredes brancas e decoração rústica, não é exatamente um espaço tão misterioso quanto os subúrbios estadunidenses oferecem. O importante é que Damato sabe construir o labirinto. Reprisando seu papel como o Minotauro em Satyricon (1969), de Fellini, Eastman é o monstro que ocupa os cantos dos corredores cheios de luz dessa bizarra casa italiana. Não se esconde nas sombras, porque é simplesmente assustador vê-lo iluminado.

Resta, para salvar o dia, que uma pré-adolescente aleijada se arme contra o vilão. A menina, que está nos primeiros minutos de filme e retoma o protagonismo no terço final, é incrível e incansavelmente determinada a recompensar todo o tempo gasto com fillers de fluxo temporal. Para encerrar as coisas como elas merecem, não tarda em abraçar a selvageria absoluta necessária, e carrega na unha os momentos finais desse pequeno encanto do cinema de gênero.

3.












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